
Lei da Oferta e Demanda segundo Wyckoff
Da crise de 1929 ao flash crash de 2010, a constante é a disputa entre quem precisa comprar e quem precisa vender. Computadores aceleraram a execução, não alteraram a essência. Enquanto existir assimetria entre oferta e demanda, haverá oportunidade para quem souber lê-la. Dominar essa Lei, portanto, é indispensável para aplicar toda a Teoria de Wyckoff de forma rentável e disciplinada.
A Lei da Oferta e Demanda — primeira das três leis formuladas por Richard D. Wyckoff no início do século XX — afirma que todas as variações de preço decorrem do desequilíbrio momentâneo entre força vendedora (oferta) e força compradora (demanda). Entender quem pressiona o mercado em cada instante permite antecipar movimentos com alto grau de probabilidade; sem esse pilar, nenhum outro elemento da metodologia Wyckoff — fases de acumulação, contagens de P&F, leis subsequentes ou regras operacionais — sustenta-se.
Fundamentos econômicos clássicos
Em economia, “preço” é o ponto no qual a quantidade ofertada se iguala à quantidade demandada. Se a demanda cresce e a oferta permanece constante, compradores competem e o preço sobe; se a oferta excede a demanda, vendedores reduzem preços para fechar negócio. Wyckoff transplantou esse conceito para os gráficos, eliminando qualquer dependência de dados macroeconômicos ou balanços: basta observar o rastro deixado por preço, volume e tempo para inferir o balanço de forças.
Wyckoff observou diariamente, na fita (tape) e nos próprios livros de ordens, como grandes operadores – Composite Man – absorviam oferta lentamente e depois conduziam os preços a patamares mais altos para vender com lucro. Percebeu que a relação entre spread (amplitude do candle) e volume indicava quem dominava o mercado. Quando surgia grande volume sem deslocar o preço, havia absorção; pequeno esforço e grande resultado sugeria ausência de contraparte.
➨ Três estados de mercado
• Mark-Up: nos períodos de mark-up, a demanda domina: candles altistas amplos fecham perto da máxima e o volume cresce. Se Demanda > Oferta, a dinâmica revela urgência compradora e relutância vendedora:
– Barras de alta amplas, fechando perto da máxima, com volume acima da média.
– Rompimentos de resistência acompanhados de expansão de volume.
– Pullbacks rasos, onde o preço recua pouco e o volume seca.
• Mark-Down: durante mark-down, prevalece a oferta: barras baixistas volumosas fecham perto da mínima. Se Oferta > Demanda, vendedores aceitam preços menores para se desfazer do ativo; compradores retraem-se ou exigem desconto expressivo.
– Barras de queda com alto volume (Clímax de Venda).
– Falhas de alta (Automatic Reaction) também volumosas.
– Quebras de suporte sem recuperação imediata.
• Trading Ranges: em trading ranges (acumulações ou distribuições), oferta e demanda entram em virtual equilíbrio; o preço oscila lateralmente e o volume alterna picos e vales conforme profissionais testam limites superior e inferior da faixa.
Exemplo em fase de acumulação:
– PS (Preliminary Support): primeiro pico de volume em queda acentuada; oferta começa a ser absorvida.
– SC (Selling Climax): volume extremo, spread enorme; compradores fortes absorvem tudo que é vendido.
– AR (Automatic Rally): liberação da pressão vendedora; demanda empurra o preço.
– ST (Secondary Test): retorno ao SC com volume menor — prova de que a oferta foi drenada.
Cada teste subsequente deve exibir volume vendedor decrescente; caso contrário, a acumulação é duvidosa.
➨ Volume Spread Analysis (VSA)
Esforço × resultado.
Ao comparar a largura do spread de uma barra com seu volume relativo, o analista infere se o “esforço” (volume) produziu resultado proporcional (variação de preço). Grande esforço e pequeno resultado denunciam absorção; pequeno esforço e grande resultado mostram ausência de oposição — sinais inversos úteis para prever reversões.
• Exemplo real — PETR4 (2008 – 2009): durante a crise de 2008, PETR4 despencou de R$ 49 para R$ 17. O Selling Climax em 27/10/2008 trouxe volume recorde. Tests posteriores entre R$ 19-21 ocorreram com volume cada vez menor. Quando a demanda finalmente superou a oferta, iniciou-se mark-up até R$ 39 em 2009, validando a leitura clássica da Lei.
• Falhas comuns:
– Ignorar contexto: um pico isolado pode ser mero rebalanceamento intradiário.
– Usar volume absoluto, não relativo: o correto é comparar com a média (20 ou 50 períodos).
– Desconsiderar horário: leilão de abertura distorce volume em contratos futuros.
➨ Oferta e Demanda em múltiplos time frames
A Lei atua de forma fractal. Uma acumulação semanal contém micro-estruturas visíveis no 15 min. Prática comum:
• Diário: para fase e contexto.
• Horário: para eventos (Spring, UTAD).
• 5 min: para timing de entrada, onde o micro-volume confirma o rompimento.
➨ Indicadores de confirmação
• OBV: confirma direção quando forma topos/fundos ascendentes junto com o preço.
• VWAP & desvios-padrão: mostram onde ocorreu maior intercâmbio financeiro.
• Delta de fluxo de ordens: soma agressões de compra – venda, útil para detectar absorção.
➨ Volume Profile e POC
• Point of Control (POC): é o nível com maior volume negociado; se o preço rompe e sustenta-se acima do POC, sinaliza que a demanda aceita pagar mais. Na distribuição, queda sustentada abaixo do POC recente mostra domínio da oferta.
➨ Contagem da “Causa” em P&F
Em tabelas de Ponto-e-Figura, a largura horizontal mede a acumulação (Causa). Quanto maior a Causa, maior o Efeito projetado.
Box size adequado é essencial: no mini-dólar 30 min; box de 10 pontos com reversão 3x equilibra ruído e sinal.
➨ Microestrutura: Bookmap & DOM
Ferramentas modernas exibem camadas de liquidez pendente. Ordens grandes que somem ao serem tocadas e reaparecem alguns ticks abaixo indicam spoofing. Wyckoff já alertava contra “trilhos feitos para enganar o público”; foque no volume executado.
• Casos recentes (2023-2025):
– NVDA: rompimento de US$ 400 com volume explosivo; pullbacks em volume ralo confirmam escassez de oferta.
– Bitcoin: SC em US$ 25 k, absorção nos futuros CME; nova ATH em 2025.
– Mini-dólar WDO: absorção recorrente no suporte do VWAP sinalizou mão-forte comprada intraday.
Checklist operacional
□ Volume crescente + rompimento = demanda domina?
□ Volume decrescente em pullback = oferta exaurida?
□ Spread proporcional ao volume?
□ Fase de mercado confirma leitura?
□ Divergência entre preço e OBV?
➨ Psicologia
A evidência de que a oferta secou surge semanas antes do avanço decisivo nos preços. Iniciantes entram cedo demais; o operador wyckoffiano aguarda confirmação objetiva — esforço sem resultado na direção contrária — para agir.
➨ Armadilhas e limitações
• Eventos exógenos (balanços, bancos centrais) podem inverter o balanço de forças.
• Mercados de baixa liquidez geram falsos clímax.
• HFT fragmenta volume; combinar métricas como cumulative delta ajuda.
➨ Síntese Causa → Efeito
Oferta absorvida em faixa lateral representa contratos transferidos a mãos fortes; quanto maior a transferência, maior o potencial de movimento. A Lei transforma-se em ferramenta de projeção, não mera descrição.
Os Cinco Passos de Wyckoff e a primazia da Lei
A sequência operacional de Wyckoff inicia por “determinar a tendência a partir da relação entre oferta e demanda”. Somente depois vem seleção de ativos, pontos de entrada, risco e execução. Tudo deriva da correta leitura da Lei.
➨ Procedimento prático
• Semanal: procurar clímax ou picos de volume.
• Diário: confirmar secagem de oferta ou demanda.
• Intraday: validar no fluxo de ordens.
• P&F: projetar alvos.
• Plano: definir invalidade da leitura.
➨ Tape Reading e clusters de volume
Softwares como Bookmap agrupam execuções em clusters bid-ask. Detecta-se absorção quando grandes lotes batem na venda sem derrubar o preço, ou agressão compradora quando ordens “levantam” a oferta vários ticks em sequência. Essa granularidade confirma a Lei em nível micro.
• Exemplo intraday – WIN: às 10h27, cinco lotes de 700 contratos compraram e elevaram o preço 250 pontos; candles seguintes mostraram corpo pequeno e volume ínfimo. A urgência compradora havia sugado a oferta, prenunciando movimento até o VWAP + 1 DP.
➨ Literatura e estudos acadêmicos
Lo & MacKinlay (1999) mostraram que barras de grande esforço com resultado limitado precedem reversões em 60 % dos casos. Chen et al. (2023) aplicaram machine learning para detectar “esforço sem resultado” em tempo real, obtendo Sharpe 1,8 em futuros de petróleo — evidência quantitativa da Lei.
Checklist de trade em Acumulação
□ Volume declinante a cada teste de fundo?
□ Spreads de queda encolhendo?
□ Spring com volume baixo e rejeição rápida?
□ OBV faz fundo mais alto?
□ RSI cruza 30 para cima?
Se algum critério falha, reduzir tamanho ou aguardar nova evidência.
FAQ
• Volume sempre antecede preço? Nem sempre; há jump across the creek em que o deslocamento ocorre primeiro e o volume explode depois.
• Ativos com baixo free float? Spikes de volume podem indicar entrada de oferta, não absorção; compare com histórico longo.
• Gráfico de linhas é suficiente? Não. Use ao menos histograma de volume; melhor ainda, delta ou tick volume em cripto.